"Sempre ouvi dizer que a vida ensina e que o tempo cura tudo. Mas hoje preciso
te contar que certas coisas a vida ainda não fez o favor de me ensinar e que o tempo
se atrasou e ainda não veio me libertar de uns desejos. (…) O tempo nem sempre cura
tudo. Tenho feridas que já cicatrizaram, mas que insistem em latejar quando o dia está nublado. Tenho mágoas que já foram superadas, mas se lembro bem, se lembro forte,
se penso nelas eu choro. E o choro dói, dói, dói como se fosse ontem. Tenho vontades
que nunca passam. Tenho uma tara por chocolate e queijo que nunca saiu de viagem.
Tenho mania de escrever em blocos e ter pelo menos dois deles sempre dentro da bolsa. Tenho sentimento de posse, tenho ciúme, tenho medo de perder quem é essencial na
minha vida. Tenho medo de me perder, por isso acendo todas as luzes.
A vida me ensinou a perdoar os outros. Mas fez questão de me mostrar que a gente
A vida me ensinou a perdoar os outros. Mas fez questão de me mostrar que a gente
pode perdoar sem esquecer. Minha memória é boa, sei quem pisou na bola. Aceito
que as pessoas errem uma ou dez vezes, desde que se arrependam com o coração.
Arrependimentos da boca para fora nunca me convenceram, apesar de eu já ter caído
em ladainhas toscas sem fim. A vida ainda não me ensinou a me perdoar. Me condeno,
me mando para a cadeia, para a solitária, como pão e água. Cumpro minha pena e nem assim descanso. E eu não sei pedir. Meu Deus, eu não sei pedir ajuda. Nunca gostei de depender dos outros. E tem mais: não consigo dizer eu-preciso-de-você-agora. Sei que
é simples, mas não sai. Algo me trava, a voz não sai.
Tenho um orgulho que não me deixa. Acho que tenho que ser a fortona do pedaço, que consigo me reconstruir, me levantar sem dar a mão para ninguém. Não gosto de admitir
nem assumir fraquezas nem de demonstrar a minha própria fragilidade. As pessoas
fazem SOS a todo instante. Choram, pedem, imploram, suplicam. Não consigo. Para
mim isso é traição. Não consigo chegar para a outra pessoa e falar tô-acabada-tô-precisando-não-vou-conseguir-sozinha. Sinto um terror só de pensar.
Ninguém nunca me disse que eu precisava ser forte. Um dia, sei lá quando, eu resolvi
que ia ser. Sempre fui aquela que ouviu todo mundo, automaticamente achava que tinha
q dar força para os outros. É claro q mil vezes peguei o telefone chorando perguntando
o-que-eu-faço. Mas isso é quando eu era adolescente e estava arrasada porque algum bonitão me deu o fora. Meus assuntos sérios e profundos eu nunca soube dividir. Penso
que a vida é minha, o problema é meu, ninguém tem que ouvir minhas lamúrias, tristezas, coisas chatas e ruins. Penso que me viro sozinha. Penso que me resolvo comigo, que
dou um jeito, que consigo.
Quer saber uma verdade? Isso cansa. Vejo tanta gente dizendo que eu sei tudo, que eu
posso ajudar, que isso, que aquilo. Eu não sei nada, apenas me sintonizo com minhas emoções. Não posso ajudar em nada, apenas escuto o meu coração. Ele fala tanto que
deixa tonta. Cansei de ser forte, cansei de não saber pedir ajuda, cansei de tentar fazer
tudo ao mesmo tempo, cansei de não conseguir dormir direito pensando no que preciso comprar para a faxineira, cansei de tomar café pensando no que me espera na agência, cansei de não conseguir sossegar meu pensamento, cansei de esconder meu lado frágil, inseguro, cansado. Cansei de aceitar as minhas imperfeições sozinha. Por favor, me aceite também."
Clarissa Corrêa
Clarissa Corrêa
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